Frentes Metodológicas
Frentes Metodológicas
A proposição desta estratégia de pesquisa inspira-se naquela organizada em torno do que se entende como Grupo Focal, que representa uma das diversas estratégias de pesquisa voltadas à escuta dos sujeitos sociais. Visa produzir dados de natureza qualitativa na forma de discursos que permitem captar, de forma mais ou menos ampla, opiniões que circulam no meio social do qual os participantes do grupo fazem parte.
Segundo Cruz Neto, Moreira e Sucena (2002), o grupo focal, diferente de uma entrevista convencional, mesmo a de grupo, tem o propósito de produzir uma fala em debate. O objetivo de reunir pessoas num grupo para acessar um ponto de vista coletivo não é que cada uma delas responda às perguntas feitas por um entrevistador (o que seria uma entrevista de grupo), mas que debatam entre si, a partir de algumas questões/problema colocados pelo pesquisador que, no grupo, é o mediador do debate. O mediador, aliás, tem papel fundamental para não deixar que o grupo focal se torne uma entrevista de grupo, para não permitir que o grupo venha a cair no silêncio e para arrefecer os ânimos, diante de conflitos que possam emergir.
A principal vantagem desta estratégia é acessar com rapidez e facilidade a população que se quer investigar. Quatro aspectos devem ser levados em consideração diante da opção por esta estratégia metodológica:
Para sua aplicação, é necessário formar uma equipe, que pode variar de duas a cinco pessoas. A equipe, inclusive, realiza avaliações ao final de cada grupo, para identificar o que deu certo e o que pode ser melhorado numa próxima reunião.
Os grupos podem ser homogêneos ou heterogêneos, mas devem evitar, a todo custo, serem constituídos de pessoas que estabelecem relações hierárquicas entre si, como por exemplo: pais e filhos, estudantes e professores, patrões e empregados. Em todo caso, a execução do trabalho com grupos focais deve refletir quais as implicações sobre os dados do fato do grupo ser homogêneo ou heterogêneo. Ambos podem ser testados como parte de uma mesma pesquisa.
A estratégia do grupo focal pode ter diferentes papéis numa pesquisa: ser uma primeira aproximação com o universo social a ser investigado e assim ela configura como parte de uma pesquisa exploratória, a ser complementada com outras estratégias; ser o centro metodológico da pesquisa, pelo qual se irá produzir o conjunto dos dados a serem analisados; atuar como ponto de controle das conclusões a partir de dados produzidos por outras estratégias, de modo que se organizam grupos focais ao final, para confirmar ou refutar tais conclusões.
Em cada uma desta posições da estratégia do grupo focal na pesquisa, deve-se considerar se apenas um único grupo é suficiente para acessar a opinião, os valores, as representações (ou o que se estiver buscando) do grupo estudado. Muito provavelmente, a resposta é não. Assim, duas opções, não excludentes entre si, são possíveis: ou se realiza mais de uma reunião com o mesmo grupo, variando as questões; ou se realizam diferentes grupos a partir do mesmo roteiro.
Diante deste quadro propomos que, para os propósitos deste projeto temático, a estratégia do grupo focal seja adaptada às diferentes circunstâncias de pesquisa que encontraremos em cada uma das cidades estudadas; por isto, preferimos aqui chamar esta estratégia de Grupos de Diálogo para que tenhamos maior margem de manobra na sua execução, sem ter que seguir os rigores metodológicos propostos na metodologia de Grupo Focal.
Neste projeto, os Grupos de Diálogo inserem-se como um meio de estabelecer o primeiro contato com o universo da população a ser pesquisada, como parte de uma pesquisa exploratória, pela qual se reelaboram as hipóteses iniciais de modo a se reconstruir continuamente o caminho metodológico para as etapas posteriores. Nesta etapa, deveremos promover diferentes grupos em cada cidade (pelo menos três)11, que sejam tanto homogêneos quanto heterogêneos, variando as pessoas e seguindo um único roteiro – que ainda será construído e deverá conter uma questão problema que desencadeie o debate, além de outros estímulos para que o diálogo continue acontecendo, como gráficos, mapas e fotos de cada cidade, considerando-se os planos analíticos da pesquisa e as dimensões empíricas eleitas.
Por meio desta estratégia, esperamos obter opiniões/visões gerais, que podem ser resultados tanto dos consensos, quanto dos dissensos a que cada grupo chegou, que nos apontem para as questões, os ramos de atividade, as áreas centrais e para as práticas espaciais dos citadinos que valeriam a pena investigar em cada cidade.
Para abordar a problemática da fragmentação socioespacial que norteia a pesquisa, a apreensão da ruptura entre partes da cidade, em sua multidimensionalidade, deve articular o cotidiano dos citadinos com a escala global caracterizada, entre outros aspectos, pela homogeneização de espaços e pessoas. Tomando como referência e foco analítico as práticas espaciais com base nas quais esse cotidiano se realiza, um dos instrumentos metodológicos propostos são as entrevistas com citadinos para privilegiar suas falas, ou seja, seus depoimentos sobre as experiências vividas espacialmente, as razões que apresentam para justificar suas escolhas, o modo como avaliam tais experiências e os discursos que elaboram a respeito de suas próprias práticas cotidianas. Desse modo, apostamos em diferentes movimentos das opiniões, justificativas e descrições sobre o vivido e os fatos que, por vezes, confluem e, outras vezes, divergem.
No escopo desta pesquisa, as entrevistas serão realizadas após as sessões de Grupos de Diálogo, em que as falas livres dos sujeitos revelarão o que é, para eles, mais relevante em termos de mudanças ocorridas nas formas de uso e apropriação do espaço urbano. O roteiro que orientará a condução deste procedimento metodológico será estruturado, portanto, pela articulação entre os planos analíticos e os fatos e experiências evocados pelos que participaram dos grupos.
Estamos propondo não a coleta, mas a produção de informações e enunciação de experiências e visões, como é próprio da pesquisa qualitativa, tendo como foco as interações humanas, com todos os seus humores, temores, enfim, com toda intromissão da subjetividade de sujeitos em interação, ou seja, a relação pesquisador/pesquisado não é sem importância para os resultados que a pesquisa pode produzir (TURRA NETO, 2012). Por isso, é importante reconhecer que, na produção de uma narrativa de experiências vividas, operam simultaneamente duas dimensões: das interações e dos jogos em que a memória desliza entre o que se recorda e o que se esquece. Essas interações possuem três níveis, sendo que, durante uma entrevista, o sujeito pesquisado transita espontaneamente entre eles, passando de um ao outro de forma natural (LINDÓN, 2006).
O primeiro nível ocorre pela interação entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado, uma vez que o grau de confiança do segundo em relação ao primeiro interfere no conteúdo das falas. A realização da entrevista é precedida da elaboração de um roteiro semiestruturado utilizado para orientar as perguntas, organizadas em blocos temáticos que sempre se iniciam com um perfil do entrevistado que não inclui sua identificação. O segundo nível de interação se dá entre o sujeito e uma situação passada, quando os entrevistados são estimulados a interagir com tal situação, reproduzindo diálogos, descrições dos lugares em que ocorreram. Por fim, um terceiro nível de interação consiste naquele em que o entrevistado constrói, ao longo da entrevista, sua imagem para o entrevistador e para ele próprio, da maneira como se vê enquanto citadino.
Com as entrevistas, buscamos imobilizar um momento da trajetória de cada citadino, porém suas diferentes espaciotemporalidades continuam em processo ao longo da realização da pesquisa. Por assumirmos a impossibilidade de captarmos todas as práticas espaciais e experiências cotidianas dos entrevistados por meio dos instrumentos metodológicos empregados, o sentido amplo da investigação volta-se a reter alguns dos múltiplos devires contemporâneos que engendram tendências em nossas realidades urbanas, sem desconsiderar as polifonias (LINDÓN, 2005, p.5) apreendidas através do conjunto das entrevistas, as quais constroem heterogeneidades por meio das falas.
Também estão previstas entrevistas com “sujeitos bem informados”, com base nas quais se pretende obter informações sobre o desenvolvimento econômico, as novas áreas centrais, os aspectos locacionais das atividades econômicas e as questões político-administrativas concernentes à gestão da cidade, a partir das dimensões empíricas escolhidas. Tais informações devem subsidiar especialmente a análise da passagem da lógica socioespacial centro-periférica para a lógica socioespacial fragmentária em cada uma das nove cidades selecionadas para a pesquisa.
A popularização do uso da rede de Internet ocorreu a partir da década de 1980. Inicialmente, ela possuía características estritamente laborais e, com o tempo, passou a ser, também, um meio de sociabilização dos sujeitos, principalmente devido ao desenvolvimento das mídias sociais e das redes sociais virtuais. Atualmente, as relações virtuais podem ser interativas e simultâneas, possibilitando a sociabilização entre sujeitos que não necessitam estar copresentes, podendo haver o desenvolvimento de redes sociais virtuais, tais como: Facebook, Twiter, Instagram etc. Com isso, as mídias sociais – páginas eletrônicas que congregam diversos recursos, como: textos, imagens, sons, vídeos, entre outros – e as redes sociais virtuais se consolidam como um meio de sociabilização, firmando-se como uma expressão cultural de sujeitos, grupos, segmentos e movimentos sociais, sendo possível interpretar as suas dinâmicas, sobretudo por meio dos metadados – esses são como uma espécie de pegadas deixadas pelos internautas ao se sociabilizarem.
O estudo das diferentes dinâmicas sociais que ocorrem na Internet é conhecido como netnografia. De maneira geral, ela possui forte relação com os estudos etnográficos, tanto que consiste na submersão do pesquisador em um grupo, segmento ou movimento social em que as relações, também, são estabelecidas virtualmente para que seja realizada a observação e investigação de práticas sociais de comunicação que podem fornecer “pistas evidentes da conexão da antropologia com a cibercultura” (MONTARDO e ROCHA, 2005, p. 08).
De modo resumido, os estudos netnográficos preconizam os seguintes procedimentos (KOZINETS, 2002): a webmetria, a análise de discurso, a análise de conteúdo e a análise das redes sociais. Estes procedimentos possuem íntima relação com os demais procedimentos metodológicos propostos para este projeto, pois a webmetria pode nos possibilitar o desenvolvimento de representações cartográficas amparadas em grafos. Já a análise de discurso e a análise de conteúdo podem melhor nos fundamentar no desenvolvimento dos Grupos de Diálogo e nas entrevistas. Para a análise das redes sociais – que será apresentada no tópico a seguir – tomamos as considerações de Granovetter (1973, 1983) que considera que as redes sociais são compostas por sujeitos que formam clusters com laços mais fortes entre si, ou seja, há maior coesão entre os sujeitos e isso implica numa maior incidência de fluxos entre eles. Já aqueles sujeitos que, embora apresentem laços mais fracos, podem atuar como pontes entre grupos, disseminando novas informações e constituindo a própria essência das redes sociais ao conectar grupos que sem eles experimentariam maiores graus de isolamento social (KAUFMAN, 2012). Consideramos tanto os laços fortes como os laços fracos, denominamo-los como sujeitos-chave (TURRA NETO e BERNARDES, 2013; BERNARDES, 2016) para o desenvolvimento de pesquisas, porque eles influenciam a rede social como um todo por mediarem a relação entre diversos grupos e/ou possuírem grande poder de influência ou decisão numa ou em várias redes sociais frente às possibilidades da ação coletiva.
É pela análise das atividades dos sujeitos-chave nas redes sociais virtuais e do desenvolvimento de pesquisa in loco que é possível traçarmos o liame entre a rede social virtual e a rede social presencial. Esse procedimento é necessário, principalmente, para o desenvolvimento de pesquisas que não se dedicam estritamente à interpretação das formas de sociabilização dos sujeitos e para verificação de correspondência entre os sujeitos-chave das redes sociais virtuais para as presenciais.
Com isso, entendemos que a netnografia se relaciona estritamente com os objetivos propostos para este projeto na medida em que por ela, também, se pode identificar e analisar o papel das instituições políticas, dos agentes econômicos e políticos hegemônicos e dos sujeitos sociais não hegemônicos sob a lógica socioespacial fragmentária, possibilitando a interpretação das formas contemporâneas de diferenciação e desigualdade, a partir das práticas associadas ao cotidiano urbano, tanto num âmbito virtual como presencial. Em outras palavras, as redes sociais virtuais possuem influência naquelas presenciais e inversamente, e ambas se objetivam no espaço geográfico e em diferentes modos de estar e ser nas cidades.
A análise de redes sociais compõe variados conjuntos de procedimentos metodológicos, em diferentes áreas do conhecimento. Em geral, as técnicas que fazem parte deste tipo de metodologia permitem identificar as principais características de grupos ou indivíduos de acordo com os temas pesquisados e os contextos envolvidos. A importância deste procedimento está relacionada ao modo como o resultado é apresentado e aos padrões identificados; assim, de acordo com estes resultados, é possível compreender dinâmicas que outros procedimentos não conseguem representar com o mesmo grau de especificidade. Outro ponto importante é a possibilidade de elaboração de quadros comparativos detalhados entre os resultados, permitindo análises entre diversos âmbitos.
Um ponto de apoio em relação ao modo de aplicação da análise de redes em pesquisas sobre fragmentação socioespacial está relacionado ao fato de que uma das questões centrais desse processo se relaciona com a qualidade da sociabilidade nas relações socioespaciais. Com o advento da fragmentação socioespacial, o tipo de sociabilidade criada tende a focar-se na negação do outro e, portanto, da alteridade, promovendo importantes rupturas entre as diferenças (DAL POZZO, 2011).
Nesse sentido, passa a ser importante analisar os indivíduos ou os grupos de contatos e suas redes pessoais ou sociais. A partir da caracterização dessas redes torna-se possível identificar padrões de negação do outro e da alteridade, ou de determinadas formas de alteridade. A possibilidade oferecida pela análise de redes sociais para visualizar os esquemas de relações interpessoais ou sociais permite dizer se o padrão dos contatos estabelecidos por um indivíduo, ou por seu grupo, contém elementos de rupturas que demonstrem seletivas opções de uso e apropriação do espaço de acordo com suas opções distintivas.
O trabalho de Marques (2007) mostra, entre outros aspectos, uma síntese das relações de sociabilidade de cada rede pessoal. Este autor aborda as diferentes formas de interações sociais entre citadinos a partir de variados perfis. O programa utilizado para gerar os sociogramas, a partir das entrevistas, classifica os contatos segundo seus vínculos, identificando-os por formas e/ou cores no âmbito da rede. Ao se articular o perfil do entrevistado com os perfis dos seus contatos, é possível visualizar os principais padrões de contatos e observar se estes padrões revelam seletividades caracterizadas por rupturas que se objetivam enquanto fragmentação socioespacial.
Após o levantamento das redes pessoais, pode ser possível classificar os vínculos de uma pessoa segundo seus contatos socioespaciais (local de trabalho, local de moradia, local de lazer, local de consumo, entre outros) e outras tipificações que qualifiquem os tipos de contatos. Além destas possibilidades o próprio padrão geral da rede pessoal, por exemplo, em relação ao grau de complexidade com maior número de vínculos, pode demonstrar níveis de aberturas e fechamentos das interações sociais em seus desdobramentos espaciais.
Com base na possibilidade de que a fase inicial do novo projeto temático, a partir dos levantamentos de temas com os grupos, se desdobre em procedimentos de pesquisas mais direcionados aos temas identificados, a análise de redes sociais pode envolver os mesmos participantes dos Grupos de Diálogo, complementando e aprofundando as análises, podendo, inclusive, ser desenvolvida a partir de temas específicos.
Para adequar a metodologia aos estudos sobre fragmentação socioespacial é possível distinguir os contatos de redes segundo os diferentes tipos de vínculos, inclusive suas características socioespaciais. Em Bovo (2014, p. 143), encontramos parte da análise da obra de Mark Granovetter quando este autor mostra um ponto importante da análise de redes sociais em relação aos laços fortes e aos laços fracos sobre o caráter de algumas redes para compreender a natureza dos vínculos. De acordo com os padrões de contatos encontrados, será possível relacionar a ocorrência de laços fortes ou a ausência de laços fracos e a possível fragmentação social com dinâmicas de fragmentação socioespacial.
O estudo do uso do tempo tem já uma tradição na Geografia. Na universidade de Lund, sob a orientação de Torsten Hägerstrand, desenvolveram-se os primeiros estudos associados a esse campo científico, sobre o time budget e sua representação em forma de trajetórias ou percursos através de mapas que mostram o espaço e o tempo diário (PARKES e THRIFT, 1980). Paralelamente, os sociólogos desenvolveram formas similares de representação e organizaram os estudos de time budget que são realizados a escala nacional em diversos países (DURÁN e ROGERO, 2009).
As pesquisas da Time Geography de Lund que apareceram, a partir dos anos de 1960 e principalmente 1970, têm tido grande influência. Acreditamos que o seu uso pode ser útil para mostrar como as mudanças provocadas pelas novas tecnologias afetavam a percepção e o sentido do espaço e do tempo a partir dos anos 1990 (GIDDENS, 1991; HARVEY, 1993; SANTOS, 1996; LASH e URRY, 1998). Os percursos permitem ter um registro empírico contínuo da forma em que os citadinos vivem (e superam) a fragmentação socioespacial. Apesar da forte carga positivista na metodologia e interpretação da Time Geography, ela pode ser importante para a uma construção teórica que envolva análises qualitativas e que a incorpore na teoria social (GIDDENS, 1991).
Para capturar os usos do tempo individuais, hoje, podem ser utilizados diversos procedimentos, desde os mais tradicionais aos mais modernos. Entre os primeiros estão os diários, que são formulários aplicados em entrevista direta, preenchidos pelos entrevistados ou através do telefone, onde são recolhidas as atividades diárias, sua duração e sua localização (DURÁN e ROGERO, 2009).
Os diários costumam ter diversas seções, devendo incluir: 1) um manual explicativo do preenchimento; 2) uma seção identificativa do entrevistado e do entrevistador; 3) o registro das atividades; e 4) o questionário controle de como foram preenchidas as informações. A forma dos formulários varia em função dos objetivos (AGUIAR, 2010). Existe certo consenso em torno da prática de registrar informação em períodos de um dia e com um intervalo de entre 10 minutos e 1 hora. Também são registrados os locais, outras atividades (secundárias) realizadas ao mesmo tempo em que são realizadas as principais e as pessoas que acompanhavam na atividade (PARKES e THRIFT, 1980).
Os novos dispositivos de comunicação e informação atuais (celulares, tablets, aplicativos), que incorporam GPS e cartografia digital, permitem recolher a informação espaço-temporal dos indivíduos de forma remota. Com estes aparelhos, não se recolhem as atividades que são realizadas, sendo o usuário que deve fornecer estas informações posteriormente. No entanto, os dados registrados apresentam intervalos de tempo menores aos diários e ajudam a evitar possíveis esquecimentos dos entrevistados. O Google tem um serviço de coleta sistemática da informação de uso de tempo e do espaço dos celulares, chamado “cronologia” ou “historial”. A atividade registrada depois é cartografada e oferecida gratuitamente para o usuário (com cadastrono Google Maps). Outros aplicativos de celular também registram a informação espacial e temporal dos indivíduos. São aplicativos destinados para usos esportivos como caminhada ou running. Entre as possibilidades estaria o aplicativo Endomondo, que oferece também a informação cartográfica e os tempos em formato de tabelas, podendo estas serem descarregadas e manipuladas. Existem diversos aplicativos com funções similares que poderiam ser utilizados: Nike+ Running, Buddy Runner, RunKeeper, RunTastic, Sports Tracker. Outros dispositivos que registram a localização espacial e temporal são os rastreadores. Estes são basicamente GPS simples e devem ser instalados na roupa ou objetos que os colaboradores mantenham permanentemente durante o período de observação. A informação do dispositivo é acessada facilmente na internet, por meio de um site ou de uma aplicação para celulares, podendo descarregar e utilizar os dados de localização.
Representar a fragmentação em um território requer estabelecer os indicadores capazes de medir as diferenças reconhecidas nele, avaliar se elas a fundamentam e expressam, para decidir o modo de representação ou a metodologia mais pertinente. A cartografia é importante em três frentes distintas da pesquisa: a) como apoio para outras metodologias dirigidas, em particular as entrevistas e os Grupos de Diálogo; b) como representação objetiva e literal dos dados primários e dos dados oficiais recolhidos relativos às múltiplas formas de diferenciação que compõem o processo de fragmentação socioespacial; e c) como metodologia de análise própria para salientar os limites e fatores explicativos da fragmentação.
No que concerne ao sintetizado em ‘a’, a cartografia dos espaços e das construções produtoras de rupturas e descontinuidades físicas (naturais ou produzidas pela sociedade) na organização da cidade corresponde a um primeiro grau de identificação dos espaços fragmentados. Relativamente ao descrito em ‘b’, a partir dos dados envolvidos no projeto, deduzimos vários indicadores cuja cartografia permite identificar as rupturas maiores na cidade, a deduzir dos dados sociais, econômicos e culturais agrupados.
Com o desenvolvimento do debate a partir dos mapas temáticos elaborados, podemos discutir o grau e a natureza das descontinuidades para definir “quando o espaço se fragmenta”, ou seja, o “enclave” físico ou simbólico que uma parte do espaço representa ou expressa. A comparação entre os mapas possibilita elaborar hipóteses explicativas da coesão ou da fragmentação do espaço. A cartografia da cidade “praticada” ou “vivida” pelos citadinos, segundo os resultados das entrevistas, relativos ao tema da mobilidade e do transporte, aos lugares de consumo, de lazer e de trabalho, as redes sociais, poderá encontrar explicações na comparação com a cartografia das desigualdades socioespaciais de renda, de nível educacional, de gênero ou de geração salientadas a partir dos dados quantitativos e qualitativos publicados. Atenção grande será dada ao mapeamento da evolução do preço da terra e aos dados fundiários e imobiliários, a partir de banco de dados já organizado na pesquisa anterior e atualizado e ampliado para as novas cidades, o que nos oferecerá uma visão diacrônica das dinâmicas, capaz de mostrar o processo de fragmentação. Estes dados fundiários poderão ser esclarecidos pela comparação com os dados publicados capazes de mostrar as descontinuidades socioespaciais.
No tocante ao item ‘c’, a Cartografia tem que ser entendida não só como uma ferramenta para observar a fragmentação, mas também como fonte especial e metodologia para explicar este processo e encontrar os fatores maiores e em particulares os fatores geográficos (distância, situação de um elemento relativamente a outro...) que alimentam o processo.
De natureza diferenciada, mas essencialmente complementares quando o objetivo é compreender processos sociais complexos como aqueles sobre os quais se debruça esta proposta de investigação, os métodos quantitativos e qualitativos são acionados como parte das estratégias de pesquisa aqui propostas.
No que se refere aos bancos de dados, sua apropriação e análise na presente investigação serão conduzidas a partir de um conjunto de informações geradas pela abordagem qualitativa. Não cabe, assim, antecipar em detalhes todos os bancos de dados a serem utilizados, porém, tendo em vista os recortes temáticos previamente definidos (ver item 1.4) podem ser citados os seguintes, que contêm informações sobre os agentes econômicos mais influentes na economia, emprego e renda, crédito ao consumo, mercado imobiliário e mobilidade da população. Como eles são sobejamente conhecidos dos pesquisadores brasileiros, fazemos apenas citação das bases que serão utilizadas, sem detalhar, em função da limitação do número de páginas do projeto, o uso e a seleção que se fará a partir delas:
Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE;
Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos – CNEFE;
Relação Anual de Informações Sociais – RAIS;
Banco de dados do estudo Regiões de Influência das Cidades – REGIC;
Bases de dados sobre crédito, endividamento e inadimplência do Banco Central do Brasil;
Bases de dados sobre negócios imobiliários, preço da terra urbana e da habitação.