Plano Analítico 4: Fragmentação socioespacial, produção e consumo da habitação
Plano Analítico 4: Fragmentação socioespacial, produção e consumo da habitação
Objetivo específico 4: Identificar e analisar o papel das instituições políticas, dos agentes econômicos hegemônicos e dos sujeitos sociais não hegemônicos na produção e consumo da habitação, sob a lógica socioespacial fragmentária.
Os processos de fragmentação socioespacial da cidade, tais como compreendidos a partir de Sposito e Góes (2013) e tomados em sua dimensão geral, dizem respeito à combinação de busca de patamares aprofundados de diferenciação social a partir de estratégias espaciais de localização seletivas, que homogeneízam as paisagens das cidades e as segmentam progressivamente, tanto material quanto simbolicamente, tanto objetiva como subjetivamente, por meio de instrumentos e estratégias de controle sobre os usos do solo, padrões de edificações e, não menos importante, de construção de novas práticas espaciais dos citadinos e para eles, como já indicado nos planos analíticos anteriores.
Neste sentido, os processos de fragmentação em curso nas cidades brasileiras atualizam, no plano espacial, velhas estratégias de distanciamento, negação e abandono de amplas parcelas da sociedade (CAMPELLO, 2017). E, ademais, não podem ser apreendidos sem que os agentes e as ações que os colocam em marcha sejam desvendados, de um lado e, de outro, que suas resultantes espaciais sejam identificadas.
A partir da compreensão mais ampla deste processo em curso e que merece ser investigado em suas variedades de tipos de cidades, ritmos, temporalidades e efeitos espaciais, em um país com a complexa rede urbana e a diversidade de suas formações socioespaciais constituídas articuladamente ao longo do tempo histórico, não é possível minimizar o papel que assumem as dinâmicas imobiliárias na produção e no consumo da moradia (ROLNIK e KLINK 2011; MELAZZO, 2016).
O acesso à habitação (como primeiro patamar do acesso à cidade) constituído como direito, transforma-se paulatinamente não apenas como mercadoria em que o valor de uso é submetido ao valor de troca (processo marcante de qualquer sociedade capitalista) (HARVEY, 1980). Mais além, passa, cada vez mais, a ser condicionado e mediado por estratégias e ações de agentes diversos que tratam a terra, a moradia e a própria cidade como ativos de valor capazes de conferirem acesso a ganhos econômicos coadunados com o ambiente rentista atual do capitalismo (HARVEY, 1982; SANFELICI e HALBERT, 2016).
Em sua dimensão teórica, a investigação deve ser conduzida analisando-se a terra urbana a partir das relações sociais que delimitam a ação de agentes econômicos e políticos específicos na forma de um circuito imobiliário comandado/organizado pelos capitais que transformam rendas da terra em lucros imobiliários, considerando seu peso e importância históricos na realidade brasileira e frente às recentes transformações pelas quais passa o mercado imobiliário nacional. Tão importante quanto este recorte objetivo em que ganham relevância os determinantes econômicos, não há como desconsiderar o recorte que o articula à expansão do endividamento, via crédito, sobre famílias de distintos segmentos de renda, mesmo que de maneira substancialmente diferenciadas entre aqueles que vão do topo à base da pirâmide social. A captura de rendas via endividamento imobiliário produz outras e novas maneiras de ver, usar e se posicionar nas cidades. Autores como Neri (2010, 2012), Pochmann (2012) Souza (2009, 2010) e Lazzarato (2013), a partir de diferentes pontos de vista contribuem para esse debate e têm sido objeto de discussão no grupo de pesquisadores que apresenta a presente proposta.
Por fim, não há como deixar de citar que as pesquisas se concentram, na maioria dos casos, sobre realidades metropolitanas, uma vez que parte dos problemas apontados anteriormente pode ser relativamente contornado pela presença de um número maior de instituições (públicas ou políticas, pesquisas de organismos oficiais etc.), o que possibilitaria maior volume (bem como maior acesso) a dados e indicadores. Há agentes econômicos e políticos, quando se foca o mercado imobiliário, que condicionam as transformações recentes neste mercado permitindo problematizar a hipótese de que a expansão espacial da atuação das grandes empresas para várias cidades médias tem produzido, nelas, alterações que permitiriam estabelecer comparações com os contextos metropolitanos, abrindo várias
possibilidades analíticas para explicar a lógica socioespacial fragmentária. Por outro lado, a identificação de sujeitos sociais não hegemônicos, desde os indivíduos em suas práticas cotidianas de mobilidade e acesso à cidade aos grupos sociais organizados que reivindicam o direito à cidade por meio de suas agendas na disputa pelo espaço público (ou de uso público), pelas infraestruturas urbanas, pela concorrência em relação aos bens de consumo, por exemplo.
A partir destes conjuntos de considerações, o objetivo centra-se na análise do papel das instituições públicas, dos agentes econômicos e políticos hegemônicos e dos sujeitos sociais não hegemônicos, identificando os processos de fragmentação socioespacial em diferentes cidades, de diferentes regiões do país inseridas em diferentes formações socieoespaciais, considerando-se as múltiplas escalas de sua produção e reprodução, seja do ponto de vista das lógicas econômicas, seja no que tange às práticas espaciais delas ensejadas. Assim, qual papel desempenham, hoje, a propriedade da terra e da habitação para ampliação das desigualdades socioespaciais, seja nas estratégias de rentabilidade para os agentes econômicos e políticos, seja no consumo para os citadinos? Quais são os efeitos espaciais que podem ser observados nas cidades em relação à expansão territorial urbana vis-à-vis dos recentes incrementos da produção imobiliária e habitacional, no contexto de processo de fragmentação socioespacial?